sexta-feira, 8 de junho de 2012

Escola de vida na Outurela


António Ramalho incute, através do boxe, valores como rigor, disciplina e respeito pelos outros

Um murro contra a crise, outro contra o desemprego, mais um pelo azar ao jogo e ao amor… O saco pendurado no tecto absorve, compreensivo, todas as frustrações e queixas dos praticantes de boxe que, dessa forma, ficam com o espírito mais aliviado de energias negativas. Mas também se pode encher o saco de porrada só para aliviar o corpo de quilos a mais. Ou, ainda, para seguir carreira neste desporto onde Portugal tem tido, aliás, alguns nomes sonantes a nível internacional. Todas estas metas podem ser alcançadas na Outurela Escola de Boxe, situada do Parque Desportivo Carlos Queiroz, naquele mesmo bairro de Carnaxide. Não admira, por isso, que ali se possa encontrar miúdos levados pelos pais para praticarem um desporto que, além do mais, os ensina a defenderem-se de eventuais agressores, jovens a tentarem esquivar-se do desemprego ou dos baixos salários almejando a profissionalização no ringue ao lado de outros que apenas querem ganhar mais autoconfiança; adultos em busca da forma física perdida por descuido ou por força do horário de trabalho e que aproveitam a hora de almoço ou o final do dia para deitar fora o stress acumulado… Homens, sobretudo, mas também mulheres… A todos António Ramalho acolhe – na sala que tem o seu nome desde a homenagem prestada, em Março, pela empresa municipal Oeiras Viva – com simpatia e o mesmo profissionalismo que o guindou a um plano de destaque na história do boxe em Portugal. Aos 52 anos, o treinador continua a fazer tudo o que pode e sabe pela modalidade que o apaixona desde que se iniciou como pugilista, aos 14 anos. “Um desporto completo, acessível a todos sem distinção de classe ou idade, e com excelentes resultados no corpo e no carácter”, frisa, relevando o seu especial impacto positivo junto dos jovens. “Ao contrário do que talvez muita gente ainda pensa, influenciada por filmes que não espelham a realidade, o boxe torna os miúdos menos agressivos, pois aprendem a defender-se e tornam-se mais autoconfiantes”, salienta António Ramalho, completando: “Ao sentirem-se mais fortes e confiantes conseguem pensar melhor, já não reagem à primeira e isso pode fazer toda a diferença”. Salvador Maria, de 11 anos, é um dos benjamins na academia de António Ramalho. “Está cá há mês e meio e vê-se que gosta muito disto; a mãe vem deixá-lo às 18h00 e só sai depois do treino rigorosamente cumprido”, enaltece o treinador, brincando com o facto de o petiz estar sempre a desafiar os mais crescidos. “A minha mãe queria que eu fizesse desporto. E eu é que lhe disse que preferia boxe porque sempre gostei dos desportos de combate”, diz o pequeno pugilista, no 5.º ano da Escola Vieira da Silva, em Carnaxide, não escondendo que costuma visualizar na Internet os vídeos com os duelos de Mike Tyson, Hollyfield e outras estrelas. O treinador, porém, está atento aos riscos de uma visão distorcida do pugilismo: “A nossa ideia é formar os jovens, não só no boxe, mas igualmente para a vida, de maneira que mesmo quem não queira ou não possa ser campeão beneficie, também, dos valores que esta prática incute, como sejam rigor, disciplina, confiança em si e respeito pelos outros”, garante. Mais confiança é o que procura Hélder Cruz, 18 anos, morador na Amora. A fazer o curso de Mecatrónica em Pina Manique, um dia resolveu pôr à prova as suas capacidades futebolísticas na “escola do Manchester” (a “Football by Carlos Queiroz”). “Não correu bem e então falaram-me que havia boxe mesmo ao lado do campo, e eu fui até lá, falei com o senhor Ramalho e comecei a vir cá treinar, já lá vão cinco meses”, conta o jovem, ele próprio surpreendido. “Nunca planeei fazer isto. Na Margem Sul também há sítios para praticar boxe, mas eu não gostava do ambiente e pensei que era tudo igual, mas aqui é diferente, vale a pena”. As vantagens já se notam no aspecto físico e na sensação de segurança. “Antes de vir para aqui tinha medo de levar na cara e até de dar golpes, agora encaro isso com mais calma porque já sei defender-me melhor”. Agora até pensa se não terá vocação: “Estou ansioso por lutar no ringue”, diz. A jogar em casa está Ruben Lopes, de 24 anos, “Nhacorapazinho” de nome artístico derivado de projectos musicais num estúdio do bairro. Desempregado há dois meses, “à partida estou cá só para manter a forma, mas se sentir que estou preparado é para ir combater em competição porque tudo o que eu faço é a sério, sempre profissional”, diz o jovem, que também já fez teatro. Para já, o boxe “é uma maneira de me libertar das grades invisíveis que existem lá fora porque lá fora é que é violento não é aqui no boxe, estar desempregado é que é violento…”, atira, quase em jeito do estilo ‘rap’ de que é apreciador. 
Jorge A. Ferreira